A respeito da Nota Doutrinária «Mater Populi fidelis» O ícone da dissimilaridade. - Antonio Staglianò



  • A respeito da Nota Doutrinária «Mater Populi fidelis»

    O ícone da dissimilaridade.        

     

    Antonio Staglianò *

    A questão do título "Corredentora", levantada e esclarecida pela Nota Doutrinária Mater Populi fidelis, não é uma simples disputa terminológica. É sintoma de uma falha na analogia. A linguagem humana, ao tentar falar de Deus e de sua obra, é obrigada a recorrer à analogia. Mas a analogia autêntica, especialmente em teologia, não é uma mera semelhança; é um caminho à beira de um abismo, onde a dissimilaridade é sempre maior que a semelhança.

    O instinto que leva à criação do termo "Corredentora" é o mesmo que, aplicado ingenuamente, constrói uma analogia por semelhança: Maria se assemelha a Cristo na obra da salvação, então podemos chamá-la de "corredentora". É uma analogia que busca domesticar o mistério, torná-lo compreensível e controlável por meio de um paralelo. Mas é precisamente aqui que a analogia tradicional, se não for "derrubada", se trai e gera monstros teológicos.

    A analogia por semelhança leva instintivamente (isto é, sem análise crítica) ao nascimento do "paralelismo salvífico". O documento, com precisão cirúrgica, desmantela o título não porque Maria seja pouco colaborativa, mas porque o termo constrói uma imagem enganosa. A analogia por semelhança funciona da seguinte maneira: a. isola um ponto de contato (tanto Cristo quanto Maria sofreram por nossa salvação. Ambos estiveram associados ao evento redentor); b. amplia a semelhança (se Cristo é o Redentor, e Maria é semelhante a Ele nesta obra, então ela pode ser chamada de "Corredentora"); c. minimiza a dissimilaridade (nesse processo, a diferença abissal — Cristo age como Deus e Homem, a fonte primária e autônoma da graça; Maria age como criatura, redimida e transformada, um canal derivado e subordinado — é diluída. A dissimilaridade torna-se um apêndice, uma nota de rodapé).

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    Assim, quase instintivamente, se estabelece um “caminho paralelo para a salvação”. O documento adverte precisamente contra isso: “O perigo de obscurecer o papel exclusivo de Jesus Cristo [...] não seria uma verdadeira honra para a Mãe” (n. 22). A analogia por semelhança, falhando em sua tarefa primordial de preservar o mistério, acaba criando uma diarquia na qual Maria não é mais apenas a primeira dos redimidos, mas quase uma fonte complementar de redenção.

    A “Corredentora” torna-se o ponto final de uma analogia mal aplicada.

    A Analogia Invertida não nega a semelhança, mas a submete a uma transformação radical. Ela não parte da semelhança para depois acrescentar as diferenças, mas sim da dissimilaridade constitutiva para interpretar, à sua luz, a única semelhança possível. Trata-se de uma mudança de perspectiva que marca épocas.

    Aplicada ao papel de Maria na salvação, a Analogia Invertida nos pergunta: a. Qual é a dissimilaridade absoluta e irrevogável? A singularidade de Cristo como Redentor. Somente Ele é "o único Mediador entre Deus e os homens" (1 Tm 2,5). Sua mediação é causal, baseada na fonte, hipostática (no sentido da união hipostática). Não se trata de uma diferença de grau, mas de natureza. É o dado primário e inegociável; b. Diante dessa dissimilaridade, que tipo de similaridade é possível? A similaridade só pode ser participada, derivada, subordinada e, sobretudo, receptiva. Maria não "faz" algo semelhante ao que Cristo faz a partir de uma posição de igualdade ou complementaridade. Ela recebe de forma única e perfeita a obra de Cristo e, em virtude dessa plenitude recebida, pode ser associada à sua difusão.

    O documento é magistral nesta aplicação. Não afirma: "Maria é semelhante a Cristo na redenção, mas de forma subordinada". Em vez disso, afirma: "A mediação única do Redentor não exclui, mas antes inspira nas criaturas uma cooperação variada, partilhada por uma única fonte" (n. 28). A semelhança (cooperação) é consequência e efeito da dissimilaridade (mediação única). É uma ação que Cristo, na sua glória, "inspira". A semelhança de Maria não reside em "ser semelhante a" Ele, mas em ser a criatura moldada pela Redenção de forma tão completa que se torna o sinal mais transparente da sua eficácia.

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    Sob essa perspectiva, muitas passagens do documento revelam uma nova profundidade:

    A maternidade espiritual como uma comparação "invertida": o título "Mãe" não é uma analogia frágil, mas a única comparação possível após afirmar a dissimilaridade. Cristo é o Filho Unigênito. Maria é mãe por adoção graciosa ("filha do teu Filho", como recorda Dante). Sua maternidade para com os crentes não é um paralelo à geração eterna do Verbo, mas o fruto último dessa geração no tempo. É uma comparação que existe somente dentro e por causa da dissimilaridade trinitária.

    A intercessão não é uma mediação paralela: o documento distingue cuidadosamente a intercessão materna de Maria da mediação única de Cristo. A Analogia Invertida ajuda-nos a perceber isso: a intercessão dos santos (e especialmente a de Maria) é uma semelhança possível apenas porque existe uma dissimilaridade radical. Cristo intercede como Sumo Sacerdote dentro da Trindade, em virtude do seu sacrifício. Maria intercede como criatura redimida, cuja oração é eficaz não por qualquer poder próprio, mas porque "o próprio Cristo manifesta a sua glória na nossa humildade" (n.º 90). A semelhança (orar pelos outros) torna-se possível e poderosa apenas pela dissimilaridade (Ele é o Sacerdote, nós somos o templo).

    "Mediação Participativa" é um oximoro que comprova a regra: a própria expressão "mediação participativa", usada no documento (nº 28), é um oximoro que preserva o mistério. Se a mediação é, por definição, exclusiva de Cristo, falar em "mediação participativa" é uma forma de dizer: "Há uma semelhança tão profunda em ser um canal de graça que podemos usar a mesma palavra, mas somente se lembrarmos que aqui a dissimilaridade é tão enorme que distorce o significado do termo". Este é o ápice da Analogia Invertida: a palavra "mediação" é usada, mas seu significado é invertido e purificado pela dissimilaridade que a precede e a fundamenta.

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    Disso decorrem as consequências necessárias para uma devoção purificada. Abandonar a "Corredentora" não é uma perda, mas um ganho em profundidade. À luz da Analogia Invertida, Maria deixa de ser um "quase-Cristo" num perigoso paralelismo salvífico. Em vez disso, ela se torna o Ícone da dissimilaridade criatural diante de Deus.

    Sua grandeza reside não em "fazer" algo semelhante a Deus, mas em ser a criatura que, mais do que qualquer outra, consentiu em ser criada, redimida e realizada. Seu "Fiat" não é um contrato de colaboração entre iguais, mas o "sim" absoluto da criatura que se torna boa terra para o divino Semeador realizar sua obra única. Sua permanência aos pés da Cruz não é uma "co-imolação", mas o mais profundo ato de fé de uma mãe que, transpassada, acolhe o insondável mistério da Redenção realizada somente pelo Filho.

    A verdadeira devoção mariana, portanto, não é aquela que multiplica títulos para aproximá-la de Cristo, mas sim aquela que, contemplando sua incomparável beleza, nos conduz ainda mais fortemente à singularidade absoluta do Salvador. Como recorda o documento, Maria é a Hodegetria, aquela que mostra o Caminho. E o Caminho é um só: Jesus Cristo.

    A Mater Populi fidelis, lida com a chave da Analogia Invertida, não é um documento restritivo, mas libertador. Ela nos liberta de uma linguagem presa a perigosas similaridades e nos convida a um salto qualitativo: da busca por paralelos à contemplação silenciosa de um mistério assimétrico. Deus não é um ser superior numa linha de continuidade conosco. Ele é o Outro absoluto, a Fonte de todo o ser, cuja ação nos alcança não pela semelhança, mas pela dádiva gratuita. Maria, "cheia de graça", é a obra-prima dessa dádiva. Honrá-la não significa elevá-la a um trono ao lado de Cristo com títulos ambíguos, mas reconhecer nela a perfeita realização da vocação de toda criatura: ser um vaso, transparente e repleto, da Misericórdia única, insondável e singular de Deus.

    Na próxima vez que formos tentados a buscar em Maria um reflexo de Cristo baseado na semelhança, lembremo-nos da Analogia Invertida. E, em vez de forçarmos a nossa linguagem, façamos uma pausa em silêncio diante desta Mulher, cuja grandeza reside precisamente em não ser o Redentor, mas a sua Discípula mais perfeita, a sua obra-prima, e a Mãe que, ao mostrar-nos a sua glorificada pequenez, nos aponta para o abismo infinito do Amor que é o seu Filho.

    *Bispo Presidente da Pontifícia Academia de Teologia