A VOZ DO PASTOR - O PRESENTE E O FUTURO EM NOSSA IGREJA
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DOM ALBERTO TAVEIRA CORRÊA
Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
Artigo semanal 21 – 22 de maio de 2025
O PRESENTE E O FUTURO EM NOSSA IGREJA
No próximo dia vinte e seis de maio, Deus me dá a graça de completar setenta e cinco anos de
idade! Destes anos, quase cinquenta e dois anos de ordenação sacerdotal. E no próximo dia seis de julho,
trinta e quatro de ordenação episcopal, dos quais quinze anos à frente da Arquidiocese de Belém. De
acordo com a legislação da Igreja, tenho a alegria de entregar a Arquidiocese nas mãos do Papa Leão XIV,
tendo recebido, desde o dia dezenove de maio, Dom Júlio Akamine, Arcebispo Coadjutor e meu sucessor
nesta Sede Arquiepiscopal, cuja apresentação oficial acontecerá no dia trinta e um de maio, Festa da
Visitação de Nossa Senhora. Tenho a certeza de que a Providência de Deus tudo encaminhou para o bem
do Povo Santo em nossa Igreja de Belém. Assim que apresentar a minha renúncia, teremos ainda alguns
meses trabalhando juntos, Dom Júlio, Dom Paulo Andreolli e eu, para depois continuar a conviver aqui
na Arquidiocese de Belém, contribuindo especialmente com minhas orações para esta grande e madura
Igreja Particular
A Liturgia do sexto Domingo da Páscoa abre os nossos olhos e corações para uma visão preciosa,
que indica a vocação da Igreja e de nossa Igreja de Belém: “Um anjo mostrou-me a cidade santa,
Jerusalém, descendo do céu, de junto de Deus, brilhando com a glória de Deus. Estava cercada por uma
muralha grande e alta, com doze portas. Sobre as portas estavam doze anjos, e nas portas os nomes das
doze tribos de Israel. A muralha da cidade tinha doze alicerces, e sobre eles os nomes dos doze apóstolos
do Cordeiro. Não vi nenhum santuário na cidade, pois o seu Santuário é o próprio Senhor, o Deus Todo
poderoso, e o Cordeiro. A cidade não precisa de sol nem de lua que a iluminem, pois a glória de Deus é a
sua luz e a sua lâmpada é o Cordeiro. As nações caminharão à sua luz e os reis da terra levarão a ela a
sua glória. Suas portas não precisam de ser fechadas cada dia, pois já não haverá noite. Nunca mais
entrará nela o que é impuro, nem alguém que pratique a abominação e a mentira. Entrarão nela somente
os que estão inscritos no livro da vida do Cordeiro” (cf. Ap 21,10-27).
O Evangelho proporciona horizontes abertos no futuro próximo e ao mesmo tempo distante, para
manter viva a esperança da plenitude que vem de Deus. Ao aspirar pela Jerusalém celeste, cidade cuja
lâmpada é Jesus Cristo, Cordeiro imolado e ressuscitado, sonhamos, sim, com um lugar em que “eles
serão o seu povo, e o próprio Deus-com-eles será seu Deus. Ele enxugará toda lágrima dos seus olhos. A
morte não existirá mais, e não haverá mais luto, nem grito, nem dor, porque as coisas anteriores
passaram. Aquele que está sentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21,3-5). É
nosso direito e nosso dever desejar o Paraíso e viver na esperança do dia sem ocaso, em que Deus será
tudo em todos.
Os santos foram sonhadores incorrigíveis, com a mente voltada para o Céu e ao mesmo tempo,
homens e mulheres com a humanidade em seu coração e os pés bem fincados na terra, pelo que nasceram
de sua presença na Igreja e no mundo obras de caridade e serviço de grande vulto, capazes de atravessar
os séculos. Um deles foi São Filipe Neri, cuja memória se celebra no dia vinte e seis de maio, meu
aniversário, que tem sido meu protetor pessoal. A expressão “prefiro o Paraíso”, cunhada por ele e marca
do sucesso de um filme que relata sua maravilhosa aventura, mostra o quanto seu olhar mirava longe e
para o alto, sem perder o sadio realismo que lhe possibilitou agir muito e em pouco tempo pelo serviço do
próximo.
Este sadio realismo se manifestou na clareza que transparecia em sua vida quanto às próprias
fraquezas e limites. Não se considerava um anjo, mas sabia ser homem e carente do amor misericordioso
de Deus, que o levava a dizer: “Senhor, segura Filipe senão Filipe estraga tudo”. A ele se atribui uma
belíssima oração, reveladora de tal estado de alma: “Meu Jesus Cristo, quero vos servir e não encontro o
caminho. Quero fazer o bem e não encontro o caminho. Quero a vos encontrar e não encontro o caminho.
Quero vos amar e não encontro o caminho. Ainda não vos conheço, meu Jesus, porque não vos procuro.
Procuro-vos e não vos encontro. Vinde até mim, meu Jesus. Nunca vos amarei, se não me ajudardes, meu
Jesus. Cortai as minhas amarras, se quiserdes que eu seja vosso. Jesus, sede para mim Jesus. Amém!”
Resultado da mística de vida que assumiu, primeiro como leigo católico, depois como sacerdote e
fundador dos Oratórios, exerceu em Roma seu apostolado, mesmo que o apelo da missão em lugares mais
distantes ocupasse sua mente durante muito tempo. Sua preferência pelo Paraíso o levou a preferir os
pobres, as crianças e os jovens, os doentes e abandonados. Dois polos que hão de sustentar toda a vida
cristã, independente da vocação a que formos todos chamados. O Céu não se afasta da terra, mas a atrai
fortemente! A Jerusalém do alto é proclamada para transformar as cidades da terra em campos de missão,
a fim que a vida desejada para a eternidade comece a se implantar aqui, pelo exercício da caridade e pela
ação da Igreja e de todas as pessoas que se apaixonam pelos valores do Reino de Deus.
O apostolado realizado pela Igreja e pela nossa Igreja de Belém, com a riqueza de sua história
centenária, e este é o apelo também para o nosso tempo, tem sempre a sua raiz numa intensa vida de
oração. São Filipe Neri, tendo experimentado o dom do Espírito Santo em visita a uma das catacumbas
romanas, cultivou o espírito de oração, a celebração piedosa da Santa Missa, o exercício do Sacramento
da Penitência, com horas e horas de confessionário, intensificou os tempos de Adoração ao Santíssimo
Sacramento, e pregava com zelo a Palavra de Deus! Importante observar que a Igreja, passados tantos
séculos, com os imensos desafios suscitados no correr da história, nunca deixou de insistir nessas
práticas que geraram tantos santos, o que pode ser identificado em nossas Paróquias e Comunidades.
O fruto foi que homens e mulheres de todas as idades, assim como autoridades da Igreja se
sentiam atraídos pela força de sua presença, marcada pelo dom da alegria e o acolhimento a todos: “Longe
de mim o pecado e a tristeza”, proclamava o santo da alegria, para valorizar a todos os que dele se
aproximavam. Com o fundamento em intensa vida de oração, prodigalizou-se no exercício da caridade,
com o dom de atrair todos a si com a sua afabilidade, cortesia e modéstia. Passava noites em hospitais
cuidando de doentes. Era amigo de todos e, uma vez conquistada a sua confiança, os preparava para os
sacramentos e os encaminhava para o bem.
Quando lhe veio a incompreensão, a perseguição e a calúnia, o santo não perdeu a paz. Seu
coração se mantinha em paz, daquela qualidade proclamada pelo Senhor: “Deixo-vos a paz, a minha paz
vos dou; mas não a dou como o mundo. Não se perturbe o vosso coração” (Jo 14,27). Manteve-se sereno,
disposto a acolher uma suspensão do exercício do sacerdócio, que depois foi retirada. Quem o caluniou e
foi a fonte da pena recebida por Filipe Neri depois se converteu, fez reparação pública e seguiu seus
ensinamentos, experimentou o perdão da Igreja e a magnanimidade do santo. Em sua vida, e desejamos
que aconteça também conosco, realiza-se a palavra de Jesus proclamada no Sexto Domingo da Páscoa:
“Se alguém me ama, guardará a minha palavra; meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa
morada” (Jo 14,23).
Nestes quinze anos de serviço à Arquidiocese e ao Povo de Deus em Belém, tenho sido mais do que
tudo um espectador, contemplando as maravilhas de Deus, realizadas por uma verdadeira legião de
homens e mulheres de boa vontade, nos serviços da Evangelização, da Liturgia e da Caridade, pelo que
meu coração se enche de sincera gratidão por terem acolhido o plano de Deus, ajudando a construir uma
Igreja de Portas Abertas, sem radicalizações ideológicas, sem progressismo ou conservadorismo estéreis.
Além de outros aspectos positivos existentes na Igreja de Belém, devo reconhecer e valorizar as
abundantes vocações sacerdotais, vocações Religiosas, Vocações para as Novas Comunidades e Vocações
Missionárias, que me fazem repetir insistentemente que as vocações existem, faltando muitas vezes trato
e carinho de nossa parte. Desejei marcar a grande celebração das Ordenações Diaconais e Presbiterais,
realizada há poucos dias, justamente para dar de presente ao Senhor Jesus Cristo a resposta de nossa
Igreja ao seu chamado.
Certamente, cabe-me ainda a responsabilidade de pedir perdão pelas minhas faltas e pecados, e
se alguma vez não transmiti às pessoas a verdadeira imagem do Bom Pastor, Jesus, a cujo serviço me
consagrei. Peço que continuemos irmãos e amigos, rezando uns pelos outros e apoiando-nos na
caminhada da vida cristã. Cada santo e cada cristão, cuja vocação é ser santo, seja como que uma morada
viva da Trindade, como verdadeira procissão, para levar a vida nova ao mundo. São Filipe Neri, santo da
alegria, rogai por nós!