CONVERTER-SE PARA VIVER PLENAMENTE
“O mundo atual apresenta-se simultaneamente poderoso e débil, capaz do
melhor e do pior, tendo patente diante de si o caminho da liberdade ou da servidão,
do progresso ou da regressão, da fraternidade ou do ódio. E o homem torna-se
consciente de que a ele compete dirigir as forças que suscitou, e que tanto o podem
esmagar como servir. Por isso se interroga a si mesmo. Os desequilíbrios de que
sofre o mundo atual estão ligados com aquele desequilíbrio fundamental que se
enraiza no coração do homem. Porque no íntimo do próprio homem muitos
elementos se com batem. Por uma parte, ele se experimenta, como criatura que é,
multiplamente limitado, por outra sente-se ilimitado nos seus desejos, e chamado
a uma vida superior. Atraído por muitas solicitações, vê-se obrigado a escolher entre
elas e a renunciar a algumas. Mais ainda, fraco e pecador, faz muitas vezes aquilo
que não quer e não realiza o que desejaria fazer. Sofre assim em si mesmo a divisão,
da qual tantas e tão grandes discórdias se originam para a sociedade. A Igreja
acredita que Jesus Cristo, morto e ressuscitado por todos, oferece aos homens pelo
seu Espírito a luz e a força para poderem corresponder à sua altíssima vocação. E
nem foi dado aos homens sob o céu outro nome, no qual devam ser salvos. A chave,
o centro e o fim de toda a história humana se encontram no seu Senhor e mestre”
(cf. Concílio Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes, 9-10).
Sempre atuais estas palavras do Concílio Vaticano II, elas se revelam mais
ainda oportunas diante de fatos que deixam estarrecidas as pessoas, como temos
assistido em nosso país e no mundo inteiro. E não estamos distantes, por
convivermos com a “violência nossa de cada dia”, tamanha a sua força que podemos
ficar anestesiados, como se fossem apenas mais alguns dentre os muitos fatos.
A Liturgia da Quaresma, em seu terceiro domingo (cf. Lc 13, 1-9), relata as
reações de Jesus diante de desastres do tempo ou a violência perpetrada por
autoridades. Parece-nos estar lendo as páginas policiais do jornal do dia! Com Jesus
e com as lições da história, suscitadas pelo Espírito Santo no correr dos tempos,
somos todos convidados a refletir sobre as causas dos acontecimentos recentes,
perguntar-nos o que está ao nosso alcance fazer e dar o passo necessário para a
conversão, apelo contínuo oferecido misteriosamente por todos eles, pois tudo
contribui para o bem dos que amam a Deus (cf. Rm 8,28). As lições são acolhidas
por aqueles que amam a Deus em quaisquer circunstâncias. Uma das
consequências será responder com amor aos desafios lançados pelo ódio que se
espalha.
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Continua atual a oração atribuída a São Francisco: “Senhor, fazei-me
instrumento de vossa paz. Onde houver ódio, que eu leve o amor. Onde houver
ofensa, que eu leve o perdão. Onde houver a discórdia, que eu leve a união. Onde
houver dúvida, que eu leve a fé. Onde houver erro, que eu leve a verdade. Onde
houver desespero que eu leve a esperança. Onde houver a tristeza, que eu leve
alegria. Onde houver trevas, que eu leve a luz. Ó mestre, fazei-me que eu procure
mais, consolar que ser consolado, compreender que ser compreendido, amar, que
ser amado, pois é dando que se recebe, é perdoando que se é perdoado, e é é
morrendo que se vive para a vida eterna”.
Entretanto, “quem julga estar de pé tome cuidado para não cair” (1Cor 10,12).
No Evangelho de São Lucas, Jesus comenta um massacre ordenado por
autoridades. A interpretação popular levava a crer que por trás havia o castigo de
Deus por pecados cometidos. O Senhor leva as pessoas a darem um salto
qualitativo, entendendo que os acontecimentos sociais e políticos devem suscitar
um exame de consciência, e chama à conversão. Para reforçar, Jesus se refere a
um desastre acontecido por causa de uma tormenta. E não são poucos os fatos de
nosso tempo, pensando, por exemplo, na situação de mudança climática, a ser
enfrentada em debates e decisões aqui mesmo, em Belém, na COP 30. Também
estes fatos trazem consigo o convite à conversão. Para Jesus e para os cristãos de
todos os tempos! O mundo é transparente e revelador da presença e dos apelos de
Deus.
O que podemos aprender com os acontecimentos de violência, atentados,
absurdos, irresponsabilidades, e daí por diante? Uma primeira lição pode vir da
velocidade com que correm as informações e notícias, muitas vezes acolhidas e
repassadas com ingenuidade, outras vezes com maldade, pois o mistério do ser
humano nos faz assistir pessoas que querem “ver o circo pegar fogo”, ou querem
incendiar até o país e o mundo, em vista da força de suas ideologias e até sonhos
malucos. Faz-se urgente um discernimento diante das notícias que correm nas
redes sociais, para não repassá-las com avidez e falta de espírito crítico. Podemos
ainda perguntar-nos sobre o que entra em nossa casa através de filmes, postagens,
jogos eletrônicos, inclusive alguns deles com programação de atos violentos contra
os outros, a sociedade e a própria vida. Basta percorrer uma vez os títulos dos filmes
constantes no guia aos canais por assinatura para vez a quantidade de “ofertas” de
violência, erotismo desenfreado e pornografia.
Um dos fatos mais desconcertantes e originais que vivemos no presente é que
nossas tradições culturais já não se transmitem do mesmo modo de uma geração à
outra. Isso afeta, inclusive, o núcleo mais profundo de cada cultura, a experiência
religiosa, que parece agora igualmente difícil de ser transmitida através da educação
e da beleza das expressões culturais, alcançando a própria família que, como lugar
do diálogo e da solidariedade intergeracional, havia sido um dos veículos mais
importantes da transmissão da fé. Os meios de comunicação invadiram todos os
espaços e todas as conversas, introduzindo-se também na intimidade do lar. Ao
lado da sabedoria das tradições, em competição, localizam-se agora a informação
de último minuto, a distração, o entretenimento, as imagens dos vencedores que
souberam usar a seu favor as ferramentas tecnológicas e as expectativas de
prestígio e estima social, o que faz com que as pessoas busquem denodadamente
uma experiência de sentido que preencha as exigências de sua vocação, ali onde
nunca poderão encontrá-la (cf. Documento de Aparecida, 39).
“Quem julga estar de pé tome cuidado para não cair”. Acolhamos o apelo da
Palavra da Escritura e os ensinamentos do Concílio! Para não cair, só a volta a
Jesus Cristo e, por causa dele, a conversão dos costumes. Cada pessoa continue a
tornar concretas as respostas aos desafios, em sua própria realidade!
DOM ALBERTO TAVEIRA CORRÊA
ARCEBISPO METROPOLITANO DE BELÉM/PARÁ
FONTE: www.arquidiocesedebelem.org.br