A VOZ DO PASTOR - O TESOURO DO BOM CORAÇÃO
-
O TESOURO DO BOM CORAÇÃO
“Como o forno prova os vasos do oleiro, assim é a prova da tribulação
para os justos. O fruto revela como foi cultivada a árvore: assim, a palavra que
provém do pensamento do coração” (Eclo 27,6-7). A Liturgia da Igreja do
Oitavo Domingo do Tempo Comum nos conduz ao Coração! Coração de Cristo,
aberto pela lança na Cruz, fonte inesgotável que se oferece continuamente no
Sacrifício do Altar, atraindo todos a ele! Coração de cada homem e de cada
mulher, chamados a tirar do seu tesouro o bem que foi plantado pela graça,
para produzir frutos (cf. Lc 6,39-45). Coração ardoroso do Apóstolo São Paulo,
na convicção proclamada com toda força de que a vitória sobre a morte e o
pecado nos foi garantida pelo Senhor nosso, Jesus Cristo (cf. 1 Cor 15,54-58).
Paulo está convicto de que Deus “quer que todos sejam salvos e cheguem ao
conhecimento da verdade. Pois há um só Deus e um só mediador entre Deus
e a humanidade: o homem Cristo Jesus, que se entregou como resgate por
todos”. (cf. 1 Tm 2,4-7). Deus não fez ninguém para a perdição, ou para ficar
“amassando barro” na miséria e na tristeza.
Podemos fazer uma verdadeira viagem ao coração de cada pessoa, e
descobrir lá dentro a semente do bem e o anseio pela verdade. De fato, mesmo
quando pecamos, acontece algo misterioso e desafiador, pois pelo menos
naquele momento, por defeito na formação da personalidade, por vícios
adquiridos ou por hábito de maldade e pecado, naquele momento, o erro nos
pareceu o melhor, o que não justifica o erro, mas ajuda a entender e buscar
caminhos para a eventual correção de rota. A experiência com os viciados em
drogas que buscam a recuperação na Fazenda da Esperança tem nos ajudado
a redescobrir este substrato de bondade plantado por Deus em todas as
pessoas, jovens e adultos que, às vezes de inconsciente, clamam por ajuda e
pela necessária luz, a fim de encontrar o caminho da verdade e da santidade.
Nesta “viagem”, desejamos propor uma operação de limpeza dos resquícios de
maus sentimentos, invejas, ódio, ciúme, práticas caluniosas e espírito de
destruição, coisas que só estragam o tesouro precioso de nosso bom coração.
Com esta certeza, coloquemo-nos todos no mesmo barco da vida para
os necessários apelos a uma vida santa. Pode ser um belo passo a
recomendação de tirar do tesouro do bom coração coisas novas e velhas (cf.
Mt 13,52; Lc 6,52). Se existe, podemos dizer, uma reserva de maldade dentro
do coração que é mau, maior é a reserva de bondade no bom tesouro do
coração. O exercício pode ser a reação positiva e construtiva diante da vida e
das atitudes dos outros, a capacidade de elogiar e estimular as pessoas que
estão amadurecendo na fé, as iniciativas do bem em nossos ambientes de
convivência e em nossas famílias, a disposição para dar o primeiro passo de
criatividade ou de perdão, a disposição para associar-nos a pessoas que estão
levando adiante projetos de bem comum e uma série de ações que o Espírito
Santo certamente inspirará a cada um de nós.
Aproveitemos para fazer uma pergunta positivamente provocante: o que
cada um de nós tem de melhor? Ocorre-me propor um exame de consciência
do lado positivo e construtivo. Agradeçamos a Deus e comprometamo-nos a
colocar à disposição dos outros aquilo que temos. É bom que tal exame de
consciência comece com a pergunta sobre o que Deus pensa de nós.
Certamente teremos boas surpresas, pois ele nos fez por amor e para amá-lo
e amar o próximo, e tem uma visão melhor a respeito de nossa história. Deus
nos conhece mais do que nós mesmos! Ao fazer este exame, um bom passo
será reconhecer o bem que praticamos e encontramos. Uma vida sem louvor
e ação de graças não é propriamente cristã, ainda que a muitos possa parecer
até realista.
Se o homem bom “tira coisas boas de seu bom coração”, desejamos
indicar outro passo correspondente às graças que Deus nos dá, que é a
partilha das experiências na vivência do Evangelho. Voltando à experiência da
Fazenda da Esperança, a que nos referimos, nosso método de recuperação é
baseado na convivência sadia, nas atividades laborativas em voluntariado e
na espiritualidade. Nunca fazemos palestras ou instruções sobre drogadição,
pois nosso público está repleto de informações e de práticas, das quais quer
libertar-se! Duas formas de partilha ajudam a crescer na vivência evangélica,
a saber, a comunhão de alma, quando cada pessoa partilha sua caminhada e
a situação em que se encontra, e vêm à tona tesouros impressionantes, e
depois a comunhão de experiências da Palavra de Deus vivida. Uma palavra,
Comunhão, que expressa a chave do processo de recuperação!
Se a experiência da Fazenda da Esperança gera frutos impressionantes
de conversão e de vida nova, será excelente levar algo semelhante às nossas
famílias, comunidades e Paróquias. Muitas de nossas reuniões e encontros
têm estilo de “lavar roupa suja”, havendo uma inexplicável dificuldade em falar
com clareza do bem que procuramos e colocamos em prática, para edificação
recíproca. Recordemo-nos mais uma vez do Apóstolo São Paulo: “Confortai
vos e edificai-vos uns aos outros, como aliás já fazeis. Pedimos-vos, irmãos,
que tenhais toda a consideração para com aqueles que se afadigam entre vós
e, no Senhor, vos presidem e admoestam. Cercai-os de estima e de extremado
amor, em razão do seu trabalho. Conservai a paz entre vós. Pedimos-vos,
irmãos: chamai a atenção dos que levam vida desordenada, animai os tímidos,
sustentai os fracos, sede pacientes para com todos. Tomai cuidado para que
ninguém retribua o mal com o mal, mas procurai sempre o bem entre vós e
para com todos. Estai sempre alegres. Orai continuamente. Dai graças, em
toda e qualquer situação, porque esta é a vontade de Deus, no Cristo Jesus,
a vosso respeito” (cf. 1Ts. 5,12-17). E edificaremos o bem, a partir do bom
coração!
DOM ALBERTO TAVEIRA CORRÊA
ARCEBISPO METROPOLITANO DE BELÉM/PARÁ
FONTE: www.arquidiocesesdebelem.org.br