A VOZ DO PASTOR - AMAR OS INIMIGOS
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AMAR OS INIMIGOS
Durante a nossa vida somos confrontados com o diferente, quanto às
características das pessoas, as ideias, posições políticas e ideológicas,
simpatias ou antipatias, e até a inimizade. Pode acontecer que tenhamos
inimigos não declarados, quando interiormente uma parte ou outra se recusa
a um relacionamento adequado. Ou podem existir inimizades explícitas e
declaradas, e cada pessoa emite julgamento sobre elas e ou reage de acordo
com suas convicções e formação.
As Bem-aventuranças se realizam em plenitude naquele que é “o bem[1]aventurado”, Jesus! Nele se realizam as propostas que apresentou aos seus
discípulos e a todos os que dele se aproximassem, e nós nos sentimos
escolhidos como destinatários. E uma das maiores exigências é o amor aos
inimigos, anunciado na Liturgia do Sétimo Domingo Comum, de cuja
celebração todos nós participamos neste final de semana (Lc 6,27-38).
O cantor e compositor Renato Teixeira celebrou a amizade de forma
esplêndida: “A amizade sincera é um santo remédio, é um abrigo seguro. É
natural da amizade o abraço, o aperto de mão, o sorriso, por isso, se for
preciso, conte comigo, amigo, disponha. Lembre-se sempre que, mesmo
modesta minha casa será sempre sua”. A amizade é gratuita, é encontrada, e
não somos obrigados a tê-la com todas as pessoas, ainda sabendo que ela é
um “santo remédio”! Entretanto, e aqui as coisas apertam, temos que amar a
todos, inclusive e de forma especial os inimigos! Os santos, especialmente os
mártires, identificaram-se com Jesus até expressarem, com a palavra e o
testemunho, o que o Senhor proclamou do alto da Cruz: “Pai, perdoai-lhes!
Eles não sabem o que fazem!” (Lc 23,34).
Em Jesus se expressa totalmente o amor que nos é pedido pela fé que
professamos, expresso numa resposta: “Um doutor da Lei perguntou-lhe, para
experimentá-lo: ‘Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?’ Ele respondeu:
‘Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e
com todo o teu entendimento!’ Esse é o maior e o primeiro mandamento. Ora,
o segundo lhe é semelhante: ‘Amarás teu próximo como a ti mesmo’” (Mt 22,
35-40). O amor caridade é uma virtude infundida por Deus na vontade, pela
qual amamos a Deus e ao próximo! É a essência da vida cristã, a chave da
vida de todos nós. A fé vai se transformar em visão, a esperança se tornará
posse do que aguardamos, mas a caridade permanecerá para sempre (1Cor
13,13). Fomos feitos para amar! E sabemos que nosso Senhor nos amou até o
fim, e indicou-nos que a maior prova de amor é dar a vida pelos que amamos!
O Evangelho proclamado neste domingo desce a detalhes formativos de
grande alcance para o nosso dia a dia: “A vós que me escutais, eu digo: amai
os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam. Falai bem dos que falam
mal de vós e orai por aqueles que vos caluniam. Se alguém te bater numa face,
oferece também a outra. E se alguém tomar o teu manto, deixa levar também
a túnica. Dá a quem te pedir e, se alguém tirar do que é teu, não peças de
volta. Assim como desejais que os outros vos tratem, tratai os do mesmo
modo” (Lc 6,27-31). Talvez alguns de nós julguem necessário um verdadeiro
heroísmo, até alcançar a “regra de ouro” que é fazer aos outros tudo aquilo
que desejamos seja feito a nós. Mas vamos passo a passo, sabendo que o
Espírito Santo nos assiste e que o que é proposto no Evangelho não é
impossível!
Somos chamados por Deus a amar a todos, dando sempre o primeiro
passo para ir ao encontro dos outros. Comecemos por olhar as pessoas não
como potenciais inimigas, mas homens e mulheres amados por Deus e dados
de presente a cada um de nós para serem amados! Para tanto, há que fazer
um esforço, ajudados pela graça de Deus, na superação das simpatias,
apegos, antipatias e preconceitos. Purificar o olhar a respeito das pessoas!
É necessário fazer a experiência da paciência e serenidade no trato com
os outros. Uma pessoa que nos parece à primeira vista arrogante pode vir a
ser amiga de verdade, se se sente amada e acolhida, na superação dos
sentimentos primários que nos assaltam com frequência. É bom tomar
consciência de que o amor, como compreendido na graça da caridade, não é
um sentimento, mas um ato de inteligência e vontade. Um santo como Damião
de Molokai foi ao encontro de uma rejeição total da parte de uma colônia de
hansenianos até conquistar a todos, inclusive tornando-se como eles
hanseniano!
Trata-se de um nadar contra a correnteza, num mundo polarizado e
cheio de inimizades, conflitos e guerras, começando nas verdadeiras batalhas
no campo chamado “redes sociais”, que tem se tornado um espaço privilegiado
para acusar, denunciar, caluniar e destruir pessoas e grupos. De nossa parte,
como cristãos, é necessário estabelecer pequenos laços para sanar o tecido
social extremamente fragilizado! Se qualquer um de nós tiver declarado
inimizade ou tenha sido alvo de tal infortúnio, propomos uma declaração
interior de amor a todos, sem exceção, para superar distâncias e vencer
obstáculos, proclamando um perdão geral em tempos jubilares! Autoridades
de qualquer nível não poderão obrigar quem quer que seja a dar este passo,
mas somente a ação do Espírito Santo, encontrando docilidade no coração de
cada pessoa de fé, que aposta na verdade o Evangelho, fará vencer a eventual
dureza dos corações.
O texto Evangélico que suscitou nossa reflexão termina levando-nos às
alturas, pois nos propõe ser misericordiosos como o Pai do Céu é Misericordioso.
A medida está no Céu, e os peregrinos da Esperança haverão de dar este salto
qualitativo no ano do Jubileu!
DOM ALBERTO TAVEIRA CORRÊA
ARCEBISPO METROPOLITANO DE BELÉM/PARÁ
FONTE: www.arquidiocesedebelem.org.br